sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Leila

Acordei e ela estava morta. Não na minha frente, mas no jornal ao pé da porta.
A musa da minha infância que eu em tantas noites tive em sonho comigo, bela,
linda, um pedaço puro do céu em corpo e rosto de mulher. Morta, suicidada.
Um baque; confesso que desesperei um pouco. Já há quanto tempo não me
recordava nem do teu nome? Há quanto já não via uma foto sequer do teu rosto
de anjo? Parece que essa morte já há muito tempo se anunciava em mim, eu,
que havia esquecido de lembrar de ti. Já tinha lá seus 50 anos, mas afirmava que
esses eram 40. Uma carreira que há muito vinha em declínio, e que de atriz
meiga de novela já havia descambado pra sem-vergonha do mundo pornô; digo
isso sem maiores julgamentos além de um coração partido - o meu. Se matou
trancada no quarto, comendo comida envenenada. Já havia, parece, ter feito dada
cirurgia para retirada do útero; se ainda viva, não poderia nem mais ter filho.
Ah! Leila, que foi que fizeram contigo? Vejo tua foto, em floripa, e teu sorriso é
melancólico, teu semblante - desistido. Que foi que fizeram contigo? Garanto que
na época de Rei do Gado e Playboy a solidão não existia, nem a angústia, nem
o desespero. É falsa essa vida Leila, e é cruel e mentirosa. Queria ter te visto
ainda que já morta, acariciar teus cabelos negros mortos e te dizer que tudo está
bem, mesmo não estando. Queria que eu pudesse ter te salvado, ou ter te dito
alguma palavra que te fizesse pensar em tudo mais uma vez. Ah! Leila, que vida
essa mais vagabunda! Vida salafrária, ordinária, que até sonho tira...Vai com Deus
minha amada, e encontra na morte o que perdestes na vida; a paz do teu sorriso
que eu sonhei quando criança demente, a doçura da tua boca - que eu só sonhei
que provava; o teu amor que eu dizia ser meu e o meu amor que eu não pude te dar.

(Guilherme Meyer)

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